Texto publicado no site www.segurogarantia.net em 21 de setembro de 2016.
Depois de muitas conversas entre os integrantes da indústria de seguros brasileira e o governo, acredito que uma das principais polêmicas sobre o novo projeto de lei sobre Seguro Garantia está sendo sepultada.
Essa polêmica trata do percentual de garantia a ser segurado. O governo defendia 100%, a exemplo de como é nos EUA.
Como já tivemos oportunidade de manifestar em vezes anteriores, não é possível “copiar e colar” apenas esse item do “Seguro Garantia americano”. Lá esse produto já é vendido há 120 anos, os marcos legal e regulatório são absolutamente mais claros, as empresas americanas são muito mais robustas econômica e financeiramente que as brasileiras, o mercado de Seguro Garantia é muito maior… Enfim, se pudéssemos “copiar e colar” tudo isso, certamente o Brasil já seria uma potência econômica e social, ou, como dizem, país de primeiro mundo. Infelizmente, a realidade não é assim.
O mercado segurador nacional bateu pé nos 30%, que é um bom número para suprir o governo de garantia suficiente para concluir uma obra. A conta é simples: se uma empresa “quebra” na metade de vigência do contrato, o governo ainda tem 50% do dinheiro orçado para gastar com a obra. Com isso, mais os 30% da seguradora, teremos 80 “dinheiros” para concluir uma obra de 50 “dinheiros”. Isso representa, nessa hipótese, 60% de garanti – o que é, na grande maioria dos casos, mais do que suficientes para concluir uma obra.
Há mais motivos para os 30%: primeiro, o mercado segurador brasileiro tem “capacidade” para tomar esse risco, ou seja, tem capital que comporte esse salto de 5% para 30% (hoje a lei prevê 5% e, excepcionalmente, 10%). Ou seja, estamos falando de um salto de seis vezes. Segundo, porque as empresas brasileiras vêm de um período bastante ruim em termos de faturamento e resultados, reflexo da crise econômica que se iniciou em 2015. Como as seguradoras de garantia concedem “limite” para contratação do seguro com base nos números e indicadores econômicos e financeiros, certamente se tivéssemos 100% de garantia, pouquíssimas empresas teriam condições de receber esses limites e assim entregarem esses seguros para o governo e iniciarem as obras. Seria uma péssima mensagem para nossa sociedade, que espera acesso das pequenas e médias empresas às vendas para o governo, já que a maioria das grandes está envolvida em escândalos.
Mas essa história dos 100% não acaba por aí. Hoje, com os 5% de garantia (“5 dinheiros”), as seguradoras não podem colocar o dinheiro na obra que parou porque a construtora quebrou. Elas quitam uma guia de arrecadação e o dinheiro vai para o Tesouro. Se, ano seguinte, a tal obra for contemplada no orçamento geral, ela será retomada após novo processo licitatório. Com essa crise e redução dos investimentos de parte do governo (da iniciativa privada também), certamente essa obra será mais um esqueleto branco no Brasil. Ou seja, se hoje valessem os 100%, ainda assim não teríamos obras concluídas. A boa notícia é que a nova lei corrige essa falha.
Outra distorção: hoje o governo não pode usar o dinheiro do saldo contratual (aqueles “50” dinheiros citados acima) e pagar a seguradora ou a nova construtora contratada por ela. De novo, ficamos sem obra pronta. Isso também está sendo corrigido.
Há outros avanços, mas, de outro lado, uma grande preocupação, quando vi o texto do Parecer da Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional que sugere o novo texto para a Lei das Licitações e Contratos da Administração Pública (atual 8.666/1993). Explico. Hoje, essa lei “faculta” à administração pública exigir ou não a prestação de garantia para qualquer contrato firmado entre as empresas e o governo. E, por incrível que pareça, isso foi mantido no texto, absolutamente contra a sugestão do mercado segurador (FENABER, FENACOR e FENSEG) que foi, obviamente, de tornar obrigatória a prestação de garantia, seja através de (i) caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, (ii) fiança bancária ou (iii) seguro garantia.
Não faz qualquer sentido manter essa condição (facultatividade), se queremos obras prontas. Não faz qualquer sentido continuar deixando essa decisão tão importante a critério de um funcionário da administração pública responsável pela licitação, que nem sempre tem a competência para discernir sobre a exigência ou não da garantia.
O fato é que se o dinheiro administrado pelo governo é da sociedade e qualquer destinação dele precisa ter as máximas garantias possíveis e legais. Esse item precisa urgentemente ser revisto, sob pena de que nossa intenção de termos um Seguro Garantia eficaz nasça sofrendo de uma doença grave. Ainda assim, eu estou otimista porque temos conseguido conversar em muito bom nível com o governo. Tomara que continue assim.