Um debate necessário: proteção veicular não é seguro e pode deixar o consumidor na mão

Há algumas situações que não nos permitem ser omissos. Um exemplo recente é a discussão sobre a ilegalidade das chamadas associações/cooperativas de proteção de veículos. Um dos fóruns para esse debate é a Câmara dos Deputados, onde tramita o PL 3139/2015. Foi lá que estive, junto com outros profissionais do mercado de seguros, para participar da segunda audiência pública sobre o tema. Atualmente, essas associações não apenas se propõem a atuar na proteção de veículos, como também na proteção de bens móveis e imóveis, vida, assistência funeral e garantia, entre outros. Elas já somam mais de 1.200 empresas no Brasil e mais de 300 mil “segurados”.

Nossa comitiva foi composta por representantes do SINCOR em todo o País e da FENACOR, os quais ocuparam boa parte dos lugares disponíveis no auditório. A audiência contou com a palavra de representantes dessas duas entidades e também da CNSeg, da Fenseg, do Ministério da Justiça e da AIDA (Associação Internacional do Direito do Seguro). O objetivo é garantir que essas associações/cooperativas sejam obrigadas a seguir regras parecidas com as das seguradoras e atuem sob a supervisão da SUSEP.

Utilizando um exemplo real, vamos relembrar primeiro o que é uma associação ou uma cooperativa. A Cooperativa dos Cafeicultores de Guaxupé (Cooxupé), congrega produtores de café do município de Guaxupé (MG), os quais vendem café para a cooperativa, que, por sua vez, beneficia e exporta o produto. O resultado da atividade – seja lucro ou prejuízo – é rateado entre os cooperados. Não há aqui uma relação de consumo entre a cooperativa e os cooperados, já que esses são donos daquela. Quem planta café no Espírito Santo não pode ser cooperado da Cooxupé.

É muito claro que não é proibido constituir associações para um interesse comum – aliás, esse é um direito constitucional. Entretanto, há algumas questões que precisam ser consideradas:

(1)    Cobrar um valor mensal de uma pessoa, prometendo uma contrapartida em serviços, futura e incerta, é atividade seguradora e, como tal, precisa ser autorizada e regulada;

(2)    Vender esse tipo de serviço (“seguro”) para qualquer pessoa em qualquer parte do País descaracteriza a atividade de associativismo ou cooperativa. Nesse momento, passa a existir uma atividade comercial captadora de poupança da sociedade, adesão a um contrato padrão e uma clara relação de consumo.

(3)    A lei protege o consumidor (Código do Consumidor) ao classificá-lo como “hipossuficiente”.  O associado ou cooperado não é consumidor, ou seja, não conta com essa proteção legal.

(4)    A atividade seguradora pressupõe alguns pré-requisitos como integralização de capital, constituição de reservas, contratação de atuários, subscritores, diretores que são previamente aprovados pela SUSEP e têm seus bens indisponíveis em caso de liquidação da seguradora, “compliance”, governança, ouvidoria, comprovação mensal de nível de solvência perante a SUSEP e pagamento de impostos, entre outros.

É fato que as seguradoras se tornaram mais seletivas, especialmente depois da abertura do mercado de resseguros, em 2007. Antes disso, tudo podia ser segurado porque o ressegurador monopolista, o IRB, dava “cobertura” para todos os riscos aceitos pelas seguradoras. Agora, as seguradoras têm a prerrogativa de recusar riscos. Como resultado, têm dificuldade de encontrar seguro no mercado “tradicional”, por exemplo, carros e caminhões velhos, fábricas de colchões e de tintas, madeireiras, algodoeiras etc, pois a maioria dos gestores desses negócios relega a segundo plano o gerenciamento dos riscos inerentes às suas atividades. A partir desse novo contexto é que surgiram as associações e cooperativas de proteção veicular (primeiramente), prometendo amparar os proprietários desses veículos caso fossem roubados ou batidos. E, obviamente, muitos associados/cooperados ficaram a ver navios quando precisaram do seguro.

É por isso que defendemos que essas associações/cooperativas atuem de acordo com as mesmas regras impostas às seguradoras e sejam supervisionadas pela SUSEP – sendo que essa última terá que se aparelhar adequadamente para responder ao aumento de empresas cadastradas. Hoje, a superintendência supervisiona aproximadamente 150 seguradoras e as associações, como já afirmamos, já são mais de 1.200.

Assim, o mercado de seguros contaria com as seguradoras tradicionais e as seguradoras sem fins lucrativos (há um grande número delas na Europa, onde são chamadas de “Mútuas”). E ambas atuariam em igualdade de condições, garantindo uma concorrência leal. Resta saber se essas associações/cooperativas terão interesse em continuar operando sem fins lucrativos e de acordo com essas regras…

Para o bem da sociedade e de um país, não se pode brincar com seguro.