Recentemente, o Canal Solar publicou uma matéria intitulada “Lucros Cessantes: veja exemplos de indenizações no setor solar”, de autoria do jornalista Mateus Badra, que entrevistou advogados e corretores de seguros. Como o tema teve uma abordagem mais jurídica, eu faço abaixo uma análise a partir de uma visão mais macro do mercado de seguros, no qual a Alfa Real atua há mais de 40 anos. A isso, soma-se também a nossa experiência no atendimento de importantes players do mercado de GD (geração distribuída).
Inicialmente, alguns conceitos são importantes para entendermos o contexto.
- No Brasil, na maioria dos seguros, lucros cessantes (tecnicamente, o nome mudou para perda de lucro) são uma cobertura adicional e precisam decorrer de um dano/acidente coberto pelo seguro principal – geralmente, colisão, incêndio, raio, explosão, vendaval e outros. Eventos climáticos também começam a ensejar demandas de perdas de lucro.
- Nem toda demanda de perda de lucro é coberta pelo seguro. Um exemplo atual é a Covid-19. Muitas pessoas e empresas perderam sua capacidade de gerar lucro, mas não puderam contar com seguro porque o evento (pandemia) não é coberto. Há estudos nesse sentido, mas é difícil que qualquer produto seja ofertado em plena pandemia. É algo para o futuro.
- O dano pode ser causado por mim (que sou o segurado) devido a uma ação sem dolo ou por um terceiro. Ou, ainda, por fatores de risco ligados à atividade e independentes da minha ação ou de um terceiro – incêndio ou vendaval, por exemplo.
- Quanto maior o tamanho do risco, maior será a demanda por perda de lucro.
- Bom exemplo é o do taxi: se meu carro colide com um taxi, eu tenho a obrigação de reparar os danos material, corporal e moral, além da perda de lucro. Tudo isso está coberto pelo Seguro de Responsabilidade Civil do meu veículo. Não faz sentido fazer seguro só do carro: ele tem valor definido e eu sei se posso ou não abrir mão de segurá-lo, dependendo da minha capacidade financeira para repô-lo. Entretanto, em relação a danos a terceiros, não há essa previsibilidade. No limite, se for preciso escolher entre um e outro, melhor fazer o seguro contra terceiros.
- A maioria das atividades profissionais (pessoa física) ou comerciais (pessoa jurídica) é geradora de receita e, por conseguinte, de lucro. Um médico pode fazer Seguro de Vida com cobertura de perda de receita. Da mesma forma, minha farmácia, meu posto de combustível, minha fábrica de móveis etc. Aqui, como proprietário, estou fazendo o seguro dos meus bens e do meu lucro.
- A cobertura adicional de perda de lucro, quando contratada para empresas, está necessariamente ligada a um desses três ramos de seguros:
- Transporte: o caminhão tombou e houve perda total do equipamento que seria instalado na minha fábrica; eu produziria mais, venderia mais e teria mais lucro. Essa cobertura chama-se DSU (sigla em inglês para Delay Start Up);
- Riscos de Engenharia, durante a construção e/ou instalação de máquinas e equipamentos. Aqui chama-se ALOP (sigla em inglês para Advanced Loss Of Profit).
- Patrimonial (Empresarial, Riscos Nomeados e Operacionais, dependendo do tamanho do valor em risco), durante a operação do empreendimento. Essa cobertura chama-se Perda de Lucro.
- Outra coisa diferente são as demandas contra mim, baseadas em perda de lucro, como no exemplo do taxi, válido para pessoa física. Outro exemplo é o Seguro Residencial: um vaso colocado na janela do apartamento cai sobre a cabeça de um vizinho médico, que precisou ficar parado, sem ganhar dinheiro, por 30 dias. Qual seguro vai cobrir eventual demanda por perda de lucro, além de danos corporais e morais contra mim, proprietário do apartamento de onde o vaso caiu? O Seguro de Responsabilidade Civil Familiar com cobertura adicional de perdas financeiras ou perda de lucro. Ou, no caso de empresas, o Seguro de Responsabilidade Civil de Operações, com a mesma cobertura adicional.
- Tão importante quanto segurar o meu lucro é segurar as demandas por perda de lucro apresentadas por terceiros, seja judicial ou extrajudicialmente. É o Seguro de Responsabilidade Civil.
E como fica isso para a atividade de GD?
Em primeiro lugar, obviamente não faz sentido falar em cobertura para perda de lucro nos casos de autoconsumo, já que não se trata de uma atividade comercial que gere receita e lucro. Ficamos então no nicho de geração compartilhada, ou seja, empreendimentos que “vendem” energia. O que no Brasil significa que os proprietários “alugam” todo ou parte dos equipamentos para clientes previamente selecionados.
No mundo inteiro, incluindo o Brasil, os seguros para esse tipo de empreendimento são tratados dentro do ramo patrimonial, em uma subdivisão chamada “Energy”, dadas as suas especificidades. Divididos em médios (de R$ 20 milhões a R$ 100 milhões) e grandes (acima de R$ 100 milhões), não têm qualquer dificuldade em contratar a cobertura de perda de lucro.
No Brasil, é exatamente nesses números que mora o problema (ou o desafio). Existem muitos empreendimentos com valor menor do que R$ 20 milhões e, atualmente, não há produtos de seguros que atendam a essa demanda.
A solução seria:
- Os seguradores de “energy” baixarem a régua e passarem a oferecer o produto (Riscos Nomeados) para pequenos empreendimentos, digamos, a partir de 5 milhões (mais ou menos 1 MWp, em se tratando de solar). Um primeiro passo. Esse é um desafio grande porque as equipes de técnicos das seguradoras são bem reduzidas e altamente capacitadas; e/ou
- Os seguradores que operam o ramo de Riscos Diversos de Equipamentos subirem a régua até R$ 20 milhões (hoje operam até R$ 500 mil) e admitirem a inclusão da cobertura de Perda de Aluguel. Hoje, nenhuma aceita essa cobertura.
Estamos trabalhando para que uma dessas duas soluções – ou ambas – fique de pé e seja ofertada aos consumidores.
Há outro seguro que cobre demandas de perda de lucro contra integradores, decorrentes de erro de projeto ou de execução: Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. É contratado pela empresa e vale para todas as instalações realizadas durante a vigência do seguro (um ano). Precisa renovar sempre. É um seguro fundamental para a atividade. Vale ressaltar que a maioria das seguradoras não cobre demandas que resultem de defeitos de equipamentos. Isso deve ser coberto pela garantia do fabricante.
Bons contratos e uma boa assessoria jurídica são fundamentais para a gestão de riscos. Lembrando que o advogado opera nas duas situações: prevenção e mitigação. Nesse sentido, os associados da ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída) estão muito bem assessorados.
Nós, consultores de riscos e seguros, também atuamos em prevenção e mitigação por meio de: análise do risco; sugestão de melhorias de proteção; desenho das coberturas, valores e franquias; aprovação junto ao cliente; negociação com as seguradoras e contratação do seguro. E, durante o ano de vigência, acompanhamos as eventuais alterações de riscos e ajustamos o seguro. Outra atividade importante é a assessoria na hora do sinistro.
Enfim, espero que em breve tenhamos boas notícias do mercado segurador para atendermos a esse importante nicho da economia brasileira.