Texto publicado na edição 180 da Revista Cobertura
Novos riscos como incidentes cibernéticos ou privacidade de dados, o crescente ativismo de reguladores e acionistas e a influência dos financiadores de litígios de terceiros estão levando líderes corporativos à maior pressão para a possibilidade de envolvimento em investigações, multas ou acusações por supostas irregularidades, atesta a Allianz Global Corporate & Specialty (AGCS), líder mundial em seguros a Diretores e Executivos (D&O).
Os diretores e executivos estão caminhando sobre uma corda bamba de gestão e responsabilidade executiva contínua, que aumentam a cada ano. Há uma grande tendência pela busca de ações punitivas e pessoais contra executivos por não seguirem regulamentações e padrões que podem resultar em investigações morosas e processos criminais ou litígios civis, que colocam em risco os ativos da empresa ou dos próprios executivos, diz a AGCS em seu novo relatório Perspectiva de Seguros D&O: Responsabilidade Atual da Gestão (D&O Insurance Insights: Management Liability Today, na versão em inglês).
“Embora o cenário jurídico difira fortemente de país para país, o aumento da ação de acionistas ou regulatória tornou-se um fenômeno global que precisa ser priorizado dentro dos departamentos de gestão de risco das empresas”, afirma Bernard Poncin, Líder Global de Linhas Financeiras da AGCS.
Litígios de D&O – mais longos e mais onerosos
De acordo com a análise da AGCS, o descumprimento das leis e regulamentações constitui atualmente a principal causa de processos D&O em número, seguido por negligência e má administração/falta de controles. A média de casos de D&O por responsabilidade fiscal atinge um número superior a US$1 milhão (€ 1 milhão). No entanto, em grandes casos de responsabilidade corporativa, os processos D&O podem ser avaliados em centenas de milhões de dólares. A AGCS observa uma tendência geral, no sentido de processos D&O serem ignorados ou resolvidos de forma mais lenta, o que traduz no aumento dos custos com defesa e maiores expectativas de liquidação. Por exemplo, um caso de ação popular envolvendo valores mobiliários nos EUA leva entre três e seis anos para ser finalizado, enquanto que a média dos custos com a defesa jurídica está em torno de US$10 milhões, subindo para US$ 100 milhões nos casos mais importantes. Nos últimos seis anos, os custos de defesa praticamente dobraram em grandes processos de D&O nos EUA. A influência do financiamento para pleitos de terceiros também está mudando o mapa global de litígios, sendo fundamental no desenvolvimento de ações coletivas contra instituições financeiras e entidades comerciais e seus diretores e executivos.
Na América Latina e no Brasil, em particular, a contratação de seguros D&O aumentou, com recentes escândalos corporativos de alto perfil relacionados a práticas de corrupção, resultantes de longas investigações criminais. Além disso, o aumento de restrições políticas abriu caminho para coberturas adicionais. Segundo Giuliano Maisto, Líder Regional Latam da AGCS, o mercado passa por processo de maturação: “O aumento das restrições ocorreu na medida em que o índice de sinistralidade evoluiu nos últimos anos, devido aos muitos executivos envolvidos em recentes investigações anticorrupção, bem como pela crise econômica. As seguradoras têm sido mais rigorosas e podemos dizer que esse tem sido um mercado desafiador”, diz o executivo.
O litígio contra empresas e seus funcionários está em ascensão. Nos Estados Unidos, o número de pedidos de ações de segurança aumenta exponencialmente e até o primeiro semestre de 2016 seguia para o seu maior total anual em 12 anos. Muitos países asiáticos, como o Japão, Hong Kong, Tailândia e Cingapura também estão caminhando rumo a uma cultura mais litigiosa. O aumento dos processos também tem sido constatado na Alemanha, onde o número de processos D&O, só pela AGCS, triplicou nos últimos 20 anos.
Já na América Latina, a contratação de seguros D&O aumentou significativamente devido a vários fatores específicos, incluindo o aumento da exposição a ações populares norte-americanas por parte de empresas latino-americanas, o aumento do cumprimento da governança corporativa da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a entrada no mercado por parte de seguradoras globais, além de recentes escândalos de grande apelo e amplamente divulgados envolvendo empresas brasileiras. Algumas delas também enfrentam ações populares nos EUA.
Diego Assef, Especialista em Processos nas Principais Linhas de Financiamentos da AGCS, explica: “Os processos cíveis no Brasil, bem como as ações populares de títulos imobiliários nos EUA, as violações antitruste, a recessão econômica grave e ainda em curso e um rigoroso ambiente regulamentado pelo governo contra as empresas e os seus executivos, estão impulsionando o aumento das compras de D&O”.
Esse aumento, no entanto, não foi linear. “Enquanto as seguradoras que já estavam no negócio sentiram o impacto do índice de sinistralidade, outros foram menos expostos ao setor e não sofreram com essas mudanças. No geral, entraram no mercado melhor equipados e conseguiram oferecer preços mais atrativos. e Então, vemos um diferencial de preço amplo sendo praticado hoje”, complementa Maisto.
Riscos cibernéticos em pauta de diretorias
O cenário para os executivos fica ainda mais complicado por uma série de riscos crescentes, como a responsabilidade em torno de ataques cibernéticos e privacidade de dados. Nos EUA, várias ações populares já foram arquivadas, relacionadas a violações de dados. As regras de privacidade em todo o mundo estão se tornando cada vez mais difíceis, com severas penalidades previstas à não conformidade com as leis. Como consequência, os especialistas da AGCS antecipam os litígios de D&O relacionados à segurança digital nos EUA, mas também na Europa, Oriente Médio e Austrália – caso haja negligência em qualquer falha na proteção de dados ou na falta de controles. “Muitos diretores costumavam ver o mundo virtual como um problema de TI e não uma exposição para a apreciação da diretoria”, explica Emy Donavan, Responsável Regional da Cyber Liability North America (Responsabilidade Cibernética na América do Norte) da AGCS. “Mas não há como fugir dos riscos virtuais e os diretores precisam ser adequadamente informados, caso contrário eles ficarão expostos.”
Outros novos riscos de gestão incluem divulgações negativas ou alegações em torno da poluição ambiental, mudança climática e escravidão moderna, que poderiam resultar em riscos para a reputação e ativismo de acionistas, protesto público ou ação governamental.
As ações de fusões e aquisições (M&A) continuam a ser um dos principais motores dos litígios de D&O e prevê-se que continuem em um ritmo acelerado no futuro. “O M&A, assim como os desinvestimentos, são reais nos momentos mais arriscados na vida de uma empresa”, diz Poncin. “As expectativas são sempre elevadas e as sinergias são mais simples no papel do que na prática.”
Necessidade de uma gestão de riscos altamente sofisticada
Para enfrentar o aumento do risco executivo no futuro, os diretores precisam desenvolver uma cultura de gestão de riscos altamente sofisticada. Como exemplo, pode-se incluir a instalação de uma proteção cibernética e de TI de alto nível, mantendo registros de todas as informações relevantes para o papel de gestão e preservando uma comunicação aberta com autoridades, investidores e funcionários. Os executivos devem se fazer perguntas difíceis sobre temas relacionados ao compliance da gestão, tais como sanções, embargos, registros de domicílios, fixação de preços e fraude, aprendendo mais sobre exposições de D&O “clássicas”, tais como M&A, medidas de capital e IPOs. O relatório da AGCS contém orientações sobre as melhores práticas e listas de verificação que descrevem como os executivos podem mitigar os riscos.
O seguro D&O tornou-se parte regular da gestão de riscos das empresas nos últimos 20 anos. Ele disponibiliza uma proteção financeira aos gestores contra as consequências de “atos ilícitos” reais ou alegados. Os cenários de riscos D&O comuns incluem questões de RH, ações por parte de acionistas, erros de relatórios ou de divulgação. A cobertura não inclui atos fraudulentos, criminais ou intencionais que não respeitam as regras de compliance, ou casos em que os diretores obtiveram remuneração ilegal ou agiram visando ao lucro pessoal.